A força-tarefa da Operação Lava Jato deflagrou esta semana a primeira ofensiva para comprovar que o esquema de cartel e corrupção nas obras de refinarias e petroquímicas da Petrobrás, entre 2004 e 2014, foi reproduzido em contratos do bilionário mercado do pré-sal.
São obras de plataformas, construção e locação de navios e sondas de perfuração para exploração de petróleo – a maior parte deles vigente – que envolvem volume de investimentos público e privado superior aos projetos até agora sob escopo da operação.
No foco atual dos procuradores e delegados da Polícia Federal estão contratos da Sete Brasil – empresa criada pela Petrobrás em parceria com fundos de pensão públicos e privados e com três bancos – com cinco estaleiros para a construção, no País, de 29 sondas de exploração no fundo do mar. Esses contratos somam US$ 25,5 bilhões.
As empresas que compõem esses estaleiros são, em boa parte, as mesmas já suspeitas de formar um cartel e pagar propinas nos contratos das refinarias.
O estaleiro Atlântico Sul, controlado pela Camargo Corrêa, pela Queiroz Galvão e por investidores japoneses, é responsável pela construção de 7 sondas. O estaleiro Brasfels, do grupo estrangeiro Kepell Fels, de Cingapura, é responsável por 6 sondas. O estaleiro Jurong Aracruz, controlado pelo grupo estrangeiro SembCorp Marine, também de Cingapura, é responsável por outras 7 sondas. O estaleiro Enseada do Paraguaçu, controlado por Odebrecht, OAS, UTC e o grupo japonês Kawasaki, é responsável por mais 6 sondas. Por fim, o estaleiro Rio Grande, controlado pela Engevix, é responsável pela construção de 3 sondas.
O empresário Milton Pascowitch, preso na semana passada sob suspeita de operar propinas para o PT – ele fez pagamentos à consultoria do ex-ministro da Casa Civil condenado no mensalão, José Dirceu –, atuava para o estaleiro Rio Grande, da Engevix. Sua prisão já é resultado do aprofundamento das investigações em relação aos contratos do pré-sal.
Espelho. As ações penais referentes às obras de construção de refinarias já apresentadas pela força-tarefa da Lava Jato trazem o seguinte roteiro: as empreiteiras se reuniam num cartel para dividir os contratos; pagavam propina que variava de 1% a 3% a operadores por meio de contratos fictícios de
consultoria; esses operadores distribuíam o dinheiro entre ex-diretores da Petrobrás – três deles já presos, Renato Duque, Nestor Cerveró e Paulo Roberto Costa – e partidos políticos – em especial PT, PMDB e PP.
Esse esquema de desvios se concentrou, segundo as investigações, entre os anos de 2004 e 2012, e os pagamentos prosseguiram até 2014. A Petrobrás admite – e já registrou em balanço – prejuízo de R$ 6 bilhões com propinas nas obras de refinarias, entre elas a Abreu e Lima, em Pernambuco, e a Getúlio
Vargas, no Paraná.
Nos contratos do pré-sal, os procuradores e delegados da Polícia Federal esbarraram num modelo bem parecido: a suspeita é de que as empresas que compõem os estaleiros se acertaram em cartel, pagaram propina de 0,9% a 1% do valor dos contratos por meio de operadores que detêm consultorias de fachada e, no fim, o dinheiro foi parar nas mãos de políticos. Em razão de o setor do pré-sal estar ligado às Diretorias de Internacional, Serviços e de Exploração e Produção, as suspeitas recaem novamente sobre PT e PMDB, que
apadrinhavam os diretores dessas três áreas.
O esquema de propina nos contratos de construção de sondas teria iniciado em 2011. Há indícios de que ele prosseguiu até o final de 2014. A maior parte dos contratos estão em execução.
“Sobre o valor de cada contrato firmado entre a Sete Brasil e os estaleiros, deveria ser distribuído o porcentual de 1%, posteriormente reduzido para 0,9%”, revelou o ex-diretor de Operações da Sete Brasil e ex-gerente da Petrobrás Pedro Barusco, em sua delação premiada assinada com a Operação Lava Jato.
“Até o fim de 2014 temos elementos para apontar que o esquema de corrupção na Petrobrás e de cartel continuou existindo”, afirma o procurador da República Deltan Dallagnol, um dos coordenadores da força-tarefa.
O volume de recursos que a Lava Jato passa a mirar com os contratos do pré-sal é superior ao apurado até agora. Documento elaborado pela Lava Jato, que integra os autos, aponta que “entre 2011-2014″ metade de que a União investiu foi por meio das estatais.
A Petrobrás é a principal delas. Seus investimentos concentraram 49% (cerca de R$ 167 bilhões) do total feito pela União via estatais (excluídos os bancos), no período.
“Para os próximos anos, projeta-se que esse percentual pode superar os 80% em razão dos investimentos no Pré-Sal”, informam os procuradores da força-tarefa da Lava Jato. São US$ 220,6 bilhões (ou R$ 584,59 bilhões, para um câmbio US$ 1 = R$ 2,65) previstos, com o pré-sal entre 2015 e 2018.
Leia trecho da delação de Pedro Barusco, citada em decisão da Justiça de prisão de Milton Pascowitch
Ex-diretores. A partir das investigações do pré-sal, aparecem três novos nomes de ex-diretores da Petrobrás contra os quais ainda não há acusação formal: Jorge Zelada (ex-diretor de Internacional), Roberto Gonçalves (que foi das áreas de Serviços e também de Internacional) e Guilherme Estrella, ex-diretor de Exploração e Produção.
Os dois primeiros foram apontados como recebedores de propina por Barusco. Contra Zelada, pesa ainda a descoberta de 11 milhões de euros que foram bloqueados em um banco em Mônaco. Estrella poderá ser investigado. Houve pagamentos de propina em sua área – Exploração e Produção –, mas não há apontamento de que ele teria recebido dinheiro desviado.
COM A PALAVRA, AS DEFESAS
SETE BRASIL
A Sete Brasil, por meio de sua assessoria de imprensa, afirma que não se considera como “empresa investigada pela Operação Lava Jato” e que desde que foi deflagrado o caso tem adotados as medidas internas.
“Não há até o momento nenhuma acusação de existência de irregularidades ou existência de um ‘operador de propina’ nos contratos da Sete Brasil”, informa.
“Como vem esclarecendo desde o início do ano, a Sete Brasil informa que o ex-presidente e o ex-diretor citados por delações premiadas divulgadas pela imprensa não são mais executivos da Sete Brasil desde início de 2014, quando houve mudança da presidência e de toda diretoria da empresa.”
A atual direção da Sete Brasil informou que auditorias externas iniciadas depois de maio de 2014, feitas em todos os contratos, chegaram à conclusão de que eles “estavam dentro da legalidade e com preços praticados pelo mercado”.
A empresa informou ainda que está em curso um “plano de reestruturação”, autorizado pelo acionistas, para ser apresentada aos credores até o final de junho. Os objetivos são: reestruturação do atual passivo financeiro; a confirmação da dimensão dos projetos de investimento; a estruturação e viabilização de fontes de financiamentos de longo prazo e capital próprio; e o fortalecimento e equacionamento da estrutura de capital da Companhia, dando seguimento à construção das sondas, geração de empregos, desenvolvimento da indústria naval e garantia do conteúdo local para a exploração do pré-sal.”
A empresa criou ainda um hotsite na internet para “dar transparência e esclarecer a todos como funciona e quais os rumos de um dos mais audaciosos projetos do Brasil” (www.setebr.com/sete-pela-sete)
MILTON PASCOWITCH
O advogado criminal Theo Dias, que defende Milton Pascowitch disse que não vê a presença dos requisitos necessários para o decreto de prisão preventiva de seu cliente.
“Ele (Pascowitch) já prestou depoimento recentemente, houve busca e apreensão na residência dele, houve até sua condução coercitiva, em fevereiro. Desde então, o cenário não mudou. Ele continua no mesmo endereço, suas atividades todas estão paradas.”
Theo Dias, o defensor de Pascowitch, ressalta que, há cerca de três meses, o juiz federal Sérgio Moro indeferiu um primeiro pedido de prisão preventiva de seu cliente. “Não vejo nenhuma mudança de fevereiro para cá que justifique agora a ordem de prisão.”
O advogado assinala. “Ainda que o Ministério Público Federal entenda que tenha provas de envolvimento de Pascowitch em atividades ilícitas isso não é suficiente para a prisão preventiva. Não havia risco de fuga, ameaça à testemunha. O que me surpreende é um decreto de prisão sem nada que autorize tal medida, a não ser a metodologia de prender para forçar as pessoas a falarem.”
O advogado disse que também o surpreende o fato de a prisão ser ordenada no decurso de um prazo que a defesa ainda tem para atender requerimento de informações do Ministério Público Federal sobre uma série de atividades da empresa de Pascowitch.
“Estamos trabalhando minuciosamente nessas respostas e no nosso prazo, que vence na próxima segunda-feira. No meio desse prazo, porém, ocorre o decreto de prisão. Nessas últimas semanas temos tido frequentes contatos com o delegado da Polícia Federal para agendamento de depoimento do Milton (Pascowitch), são contatos assíduos com o delegado da operação.”
Theo Dias reitera que estava cumprindo os pedidos de informação da Procuradoria da República. “A instrução estava correndo sem nenhum tipo de obstrução, uma atitude cooperativa que não condiz com a ideia de uma prisão preventiva.”
RENATO DUQUE
O ex-diretor Renato Duque, preso em Curitiba, negou o envolvimento em pagamento de propinas. Tanto sua atuação na Petrobrás, como posteriormente na empresa própria de consultoria, foram dentro da legalidade.
JORGE ZELADA
O ex-diretor Jorge Zelada, negou que tivesse recebido propina. “Não. Não recebi propina.”
Segundo ele, Pedro Barusco – delator da Lava Jato – foi seu “superior hierárquico no período de 2003 a 2007″. “Nossa relação era estritamente profissional. Não sei a que atribuir tais declarações inverídicas. Nunca conversamos sobre ‘propina’”. O ex-diretor de Internacional destacou ainda que não participou da contratação de sondas com estaleiros.
PETROBRÁS E SERVIDORES
Procurada, a Petrobrás informou que não iria comentar o assunto.
Os ex-diretores Roberto Gonçalves e Guilherme Estrella não foram localizados para comentar o assunto.
EMPREITEIRAS
As empreiteiras do cartel, como a Odebrecht e Queiroz Galvão, negaram, em outra ocasião, participação no esquema de propinas na Petrobrás envolvendo os estaleiros em que têm participação. Executivos de três integrantes do grupo – Camargo Corrêa, UTC e Setal – já fizeram ou negociam acordo de delação premiada.
Estadão
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