Jefferson Puff – @_jeffersonpuffDa BBC Brasil no Rio de Janeiro
Membros da Beija-Flor passaram os últimos dias preparando as alegorias para o desfile (Foto: Reuters)
Terceira maior detentora de títulos do Carnaval do Rio de Janeiro, atrás de Portela e Mangueira, a Beija-Flor só entrará na Marquês de Sapucaí às 23h40 da segunda-feira. Mas seu samba-enredo deste ano, Um griô conta a história: um olhar sobre a África e o despontar da Guiné Equatorial causou polêmica e ganhou o noticiário internacional antes mesmo de a folia ter início.
Figura mitológica tradicional a muitos países africanos, um griô nada mais é do que um contador de histórias, crucial para a tradição oral do continente. Mas para a imprensa brasileira e de outros países, a história por trás do desfile da escola neste ano ainda está muito “mal contada”.
O principal problema seria o financiamento, uma soma entre R$ 5 a R$ 10 milhões, que teriam sido doados pelo presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema. No poder há mais de 35 anos, ele é o líder há mais tempo à frente de um país africano e seu currículo, segundo a ONG Anistia Internacional, acumula uma extensa lista de acusações de violações de direitos humanos, desde execuções extrajudiciais, tortura, prisões arbitrárias e repressão violenta a protestos.
De acordo com um ranking da revista Forbes, Obiang seria o oitavo líder mais rico do mundo, com fortuna oficial estimada em US$ 600 milhões (R$ 1,7 bilhão). A população do país, no entanto, é uma das mais pobres da África, e tem acesso a muito pouco da riqueza nacional, originária sobretudo da extração de petróleo.
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A nação da África Ocidental, um dos menores países africanos, é composta de duas ilhas e uma parte continental, vizinha a Camarões, e tem população de pouco mais de 700 mil pessoas. Ex-colônia da Espanha, o país integra a lista das 12 nações mais corruptas do mundo, segundo a ONG Transparência Internacional.
Para Mauricio Santoro, cientista político e assessor de direitos humanos da Anistia Internacional, Obiang é praticamente o “estereótipo tradicional” do ditador africano. Chegou ao poder através de um golpe, controla o país com mão de ferro há décadas, reprimindo com extrema violência qualquer tipo de oposição, e sua família ostenta mansões, carros, e um estilo de vida de luxo em diferentes países, com propriedades nos Estados Unidos, França e até no Brasil.
“Ele segue à risca o manual do ditador que expropria os recursos naturais do seu país. A população é extremamente pobre, mas o Estado é rico. Obiang vem há muitos anos ao Carnaval do Rio de Janeiro e tem inclusive um apartamento de luxo na cidade. Ele representa um regime fechado, extremamente violento, que prende jornalistas e mantém todo tipo de violação de direitos humanos imaginável”, diz.
Os governos dos Estados Unidos e da França têm processos contra Obiang e seu filho por lavagem de dinheiro e evasão fiscal e, em 2011, a Justiça americana tentou congelar seus bens no país – uma casa em Los Angeles no valor de US$ 30 milhões, um jato particular de US$ 38,5 milhões, uma Ferrari de US$ 500 mil e diversos itens de colecionador do cantor Michael Jackson, avaliados em US$ 2 milhões.
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Segundo reportagens da BBC na época, para os EUA o motivo do processo seria a origem do dinheiro, supostamente obtido em esquemas de corrupção e pagamento de propina das indústrias petroleiras do país africano.
Apoio cultural e artístico
Ativistas também criticam Beija-Flor por desfiles antigos com temas que favoreceram governo militar
Consultada pela BBC Brasil, a Beija-Flor não confirmou os valores recebidos, e limitou-se a dizer, em nota, que recebeu “apoio cultural e artístico do governo da Guiné Equatorial” e que “visando divulgar a trajetória de seu povo, a Guiné Equatorial disponibilizou todo o aparato histórico para que a comissão de Carnaval da agremiação pudesse pesquisar e ter acesso a diversos aspectos da cultura local”.
Para os críticos, a Beija-Flor repete um “equívoco” já cometido em 1973, 1974 e 1975, quando, com os enredos Educação para o desenvolvimento, Brasil ano 2000e Grande decênio exaltou “grandes feitos” da ditadura militar brasileira, apesar das acusações de tortura e perseguição a opositores.
Em resposta, a escola rejeitou a comparação e ressaltou “melhorias para a população” promovidas pelo governo da Guiné Equatorial.
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“Lamentamos a tentativa de relacionar este enredo com outros já apresentados pela Beija-Flor de Nilópolis. O tema tem viés estritamente cultural e não aborda o formato de governo do país. Buscamos enaltecer a arte e a força do povo da Guiné Equatorial. Bem como a transformação dos benefícios das suas riquezas naturais em melhorias para a população”, diz a nota enviada à BBC Brasil.
CPLP e grandes eventos
Apesar de 90% da população do país africano falar espanhol, na metade do ano passado Obiang logrou um sonho antigo. Com base na presença dos portugueses no país durante o período histórico de colonização, obteve a entrada da Guiné Equatorial na CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), ao lado de Angola, Brasil, Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste.
Para Maurício Santoro, da Anistia Internacional, é uma pena que os dois Estados-membros mais fortes do grupo, Brasil e Portugal, apesar do histórico de ditaduras militares, tenham permitido a entrada do país no bloco e não exerçam maior influência sobre Obiang.
Ele também questiona o financiamento das escolas de samba no Rio de Janeiro.
“É claro que nada disso é novidade. Sabemos do histórico de hipocrisia do Carnaval, onde se tem membros do crime organizado ao lado de políticos nos camarotes. O financiamento das escolas sempre foi um problema, não é algo novo”, diz.
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Santoro acredita, no entanto, que a atenção internacional dada à polêmica deveria servir como um alerta para a necessidade de maior transparência em grandes eventos sobre os quais o mundo inteiro lança seus holofotes.
“A Anistia Internacional tem monitorado as acusações de exploração do trabalho nos preparativos para a Copa do Mundo no Catar. A Rússia recebeu as Olimpíadas de Inverno sob fortes acusações de violações de direitos humanos. O Brasil precisa atentar para um código de ética, sobre a transparência das empresas que vão financiar as Olimpíadas do Rio, por exemplo, e o histórico delas”, indica.
“Não é benéfico para o Brasil, que quer desempenhar um papel de liderança, estar associado a escândalos como esse, de impacto internacional”, opina o especialista
Polêmica Paraíba
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